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E.M.I.C.I.D.A – Enquanto Minha Imaginação Compuser Insanidades Domino a Arte.



    Leandro nasceu no dia 17 de agosto de 1985, no Jardim Fontális, periferia da zona norte de São Paulo, graças a união de dona Jacira Roque de Oliveira, na época com 13 anos, e seu Miguel de Oliveira, juntos geraram Emicida e seus 3 irmãos: Catia, Catiane e Evandro. O casal atuava como organizadores de bailes no bairro que moravam, Miguel era DJ de bailes black, mas fazia algum tempo que não conseguia renda para sustentar a família ou lugares para tocar, assim passou a trabalhar como metalúrgico e depois a catar papelões na rua. Dona Jacira trabalhava como faxineira em bairros nobres, mas hoje ela é artista plástica, escritora, cantora, poetisa, palestrante, além de cultivar plantas e cuidar de hortas.


    “E a vida é só um detalhe” - desde muito cedo Emicida aprendeu a lidar com a dor, devido a curta convivência do menino com o pai, seu Miguel era alcoólatra e morreu quando Leandro ainda era criança, em decorrência de uma briga de bar. A morte além de trazer estragos por si só, também desenvolveu marcas profundas na família, dona Jacira narra no clipe Crisântemo, uma música de Emicida feita em homenagem ao pai, que o anúncio foi feito por algumas pessoas que bateram em sua casa e com toda agitação ela já imaginou o que havia acontecido, e o pior é que ela sabia a dor de não ter pai, pois havia sido criada sem o seu, então já imaginava os perrengues pelos quais eles viriam passar. Após o acontecimento, ela, acompanhada de suas crianças e com o coração apertado, se mudou e enfrentou a vida de favor na casa dos outros, esta repleta de mofo e sujeira, não foram momentos fáceis.

    Independente de qualquer condição financeira, dona Jacira prezava muito pela educação das crianças, ela conseguiu uma vaga para Leandro em uma escola particular com o intuito dele cursar a 2ª série, mas o menino não se adaptou, frequentemente se envolvia em brigas de modo a resolver no soco seus problemas, por ser o único negro da turma, vivia constantemente sob xingamentos, como macaco, cabelo de bombril entre outros e não engolia sapos.

    Na 4ª série, já estava em outra escola, mas mesmo assim não gostava do ambiente escolar, talvez por traumas do passado, mas foi nesse ano que uma professora percebeu que ele gostava de quadrinhos e de desenhá-los, então estimulou o menino nessa nova descoberta. Assim, 8ª série ficou em 1º lugar em um concurso de HQ em que o prêmio era uma viagem para Pernambuco, portanto aos 15 anos, Emicida realiza sua primeira viagem pra fora de Jardim Fontális.

    O sonho inicial dele era desenhar o homem aranha e morar em Nova York já que ele é muito fã do universo Marvel, chegou até a se formar em técnico em designer. Depois, abandonou esse mundo dos super-heróis e começou a se interessar pelo que ele faz de melhor: poesia e rap.

    Começou a escrever poesias, tendo como uma inspiração o livro “Capitães de Areia” de Jorge Amado, com o passar do tempo percebeu que poderia cantar suas poesias, e a partir disso teve contato com o rap, onde se encontrou. Aos 12 ouviu “Sobrevivendo no inferno” dos Racionais MC e “Os cães ladram e a caravana para” do Planet Hemp, e nesse meio conheceu e se interessou pela história dos maiores nomes do movimento negro Zumbi dos Palmares, Martin Luther King e Malcom X. Também descobriu o gosto por discos de Vinil, ele conta que arrumava emprego com a intenção de conseguir o dinheiro para comprar os discos amontoados em caixas pelas quais ninguém se interessava, eles custavam cerca de 1 real na época, e após consegui-los, ele abandonava o emprego. Ele conta que comprou a coleção inteira de um baterista que ele admira muito, o famoso Milton Banana, e de Wilson das Neves a quem Emicida homenageia em suas músicas e que depois de um tempo virou um dos seus amigos pessoais, além de participar da melodia de várias canções do Leandro.

    Desde pequeno o rapper dizia que não tiraria carteira profissional pois ele seria patrão e patrão não tem carteira. Sua mãe em um primeiro momento ficou preocupada com a afirmação, mas pouco tempo depois, bastou ouvi-lo cantar e para que ela acreditasse que o filho conquistaria o mundo. Umas das coisas mais bonitas sobre a família de Leandro, além da união é que todos são politizados e tentam de alguma forma abordar temas como o feminismo, racismo, saúde pública de forma a levá-los para as minorias. Dona Jacira diz que a arte os permitem falar sobre isso, que a arte liberta.

    Em 2005 Emicida foi inserido ao mundo das batalhas de rima, mas foi no ano seguinte que ele se instalou de vez e venceu o Mc Gil numa batalha épica na final da liga dos MCs, e se tornou o primeiro paulista a ganhar a competição no Rio de Janeiro, afinal quando se tratar de improvisar sempre mostra para o que veio. Ao todo ele venceu onze vezes seguidas a batalha de MC da Santa Cruz e doze vezes a Rinha dos MCs. Após muito ser observado e tendo bastantes visualizações no youtube e chamar a atenção de várias pessoas, Emicida foi estagiar em uma produtora, a convite do produtor Felipe Vassão, e lá fazia letras para propagandas e jingles, foi nesse estágio que teve contato com essa parte de produção.

    “Eu rimo porque eu tenho uma missão”- Mas foi em 2008 que Emicida lançou um single que deu impulso a sua carreira na música, chamado Triunfo, uma produção independente. Todas as cópias que ele vendia eram feitas em seu próprio computador, uma por uma, e a capa dos CDs era feita com papel pardo artesanalmente, ele e o irmão, Fióti, saiam por São Paulo com as mochilas carregadas e tentavam vendê-los em locais públicos, onde bateram o marco de 300 cópias em um mês, mas o foco não era necessariamente esse, ele queria era fazer show, ter um bom material para que as pessoas pudessem contratá-lo, ser conhecido, e fazer história (spoiler: sabemos que ele conseguiu). Simultaneamente, Emicida também lançou um videoclipe da mesma canção no YouTube, que hoje tem mais de 10 milhões de visualizações, consagrando-se foi indicado ao Vídeo Music Brasil (VMB), nas categorias “Melhor Grupo/Artista de Rap”, “Aposta MTV” e “Videoclipe do Ano”, com a canção “Triunfo”.

    Foi assim que em 2009, em parceria com o irmão, criou a própria gravadora, conhecida como Laboratório Fantasma, nome inspirado mais uma vez pelo gosto de Emicida pelas HQs do motoqueiro fantasma. E com ela lançou seu primeiro mixtape de 25 faixas, com o nome “Pra quem já mordeu um cachorro por comida até que cheguei longe.” Uma curiosidade sobre o nome do mixtape é que realmente Emicida mordeu um cachorro por comida, mais especificamente a da família, chamada Afrodite, bizarro, mas história verídica. Sua mãe sempre deixava 2 pães, que eram divididos ao meio para que ele e os irmãos pudessem comer, e foi o que aconteceu, mas enquanto assistia desenho animado na televisão e em um momento de distração a cachorra avançou e mordeu seu pão, como instinto de preservar a comida, Emicida pegou a cachorra e a mordeu, no mesmo momento, com a boca cheia de pelos, parou e se auto questionou sobre o que estava fazendo.

    Os CDS eram vendidos por cerca de 2 reais, um preço que às vezes nem dava para suprir os gastos de produção, mas de qualquer forma estava sendo um meio de crescer, ter fãs e ser ouvido, além de divulgar sua marca. Esse sucesso chegou, e Emicida não se fez de doido, agarrou logo a oportunidade, e começou a gravar com alguns artistas, como a banda NXZERO.

    “Sou o porta-voz de quem nunca foi ouvido”
- No ano de 2010 Emicida lançou seu segundo single, o “Avua Besouro”, assim como um EP, “Sua Mina Ouve Meu Rep Tamém”, e para preservar o formato mixtape que gosta tanto também produziu a canção “Emicídio” em setembro deste mesmo ano. Também em 2010 Emicida foi convidado e aceitou ser apresentador do programa Manos e Minas da TV Cultura, e foi muito criticado pelos seguidores assíduos do rap, pois supostamente estaria indo contra o movimento que tem como propósito se opor ao sistema e ser uma arte de rua, mas ele disse que o rap tem sim, que adentrar nesses meios para exigir um espaço e garantir seu respeito. Com esse objetivo, no ano seguinte, apresenta também o Sangue B, na MTV.

    “A meta é deixar sem chão quem riu de nós sem teto” – Ele estava voando, em 2011 foi convidado a participar do Festival Coachella, na Califórnia, EUA e as pressas providenciou visto e passaporte, afinal ele nunca havia saído do Brasil. Além desse grande “show”, ele também participou do Rock In Rio. Nesse ano foi indicado novamente ao VMB em três categorias: Hit do Ano, Clipe e Artista do Ano, ele ganhou como Artista do Ano e Clipe do Ano, com a música “Então Toma”, onde há a participação de outros artistas, como o cantor Criollo (afinal, existe ou não amor em SP?).

    Em 2013, lançou seu primeiro álbum de estúdio “Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui”, em 2015 o segundo, intitulado “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa” e um EP chamado “Rdio Sessions”, além disso, também houve projetos ao vivo como 3 Temores in Concert: Ao Vivo no Estúdio Emme c/ Rashid e Projota (2012) Crioilo & Emicida Ao Vivo (2013) 10 Anos de Triunfo (2018). Também passa a gravar com outros ‘rappers’ como Racionais MC’s, Kamau, Rashid, Projota, Criollo e alguns artistas consagrados como Elza Soares, Martinho da Vila, Cidade Negra e Wilson das Neves.

    O Lab. Fantasma em simultâneo, estava se estabelecendo, passou a agenciar artistas, negociar shows, distribuir álbuns e fazer parcerias inclusive com outros artistas internacionais.

    Não deixando o amor pelo desenho de fora, Emicida desenhou sua própria grife de roupas, chamada “Lab” que, em 2016, adentrou as passarelas do maior evento de moda da América Latina, a São Paulo Fashion Week, inclusive havia algumas peças bordadas pela própria dona Jacira.

    “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” - Em 2019 veio o álbum “Amarelo”, lançado no Teatro Municipal de São Paulo, ele tem canções fortíssimas cheias de referências e que nos desperta um mix de sentimentos, são lindas, tocam na alma, o Emicida trouxe muito bem seu discurso inspirador, inteligentíssimo e sensato para as canções. A sonoplastia é encantadora e percebemos que houve muito trabalho e dedicação nele que conta com a participação de artistas de diversos nichos: tem Fernanda Montenegro, Zeca Pagodinho, Gilberto Gil, Pablo Vittar, Majur, Drik Barbosa um coral de igreja, um ‘sample’ de Belchior, entre outros. Em 2020, entrou para a Netflix um documentário, inclusive chamado Amarelo, que traz, claro, algumas explicações sobre as músicas e a trajetória de Emicida, mas também faz uma viagem no tempo pelas épocas do samba, pela história do povo negro, sendo ela de luta e muita representatividade. É um documentário lindo, emocionante, revolucionário, e uma super indicação para vocês.


    Particularmente o Emicida esteve presente na minha adolescência e até hoje faz parte do meu cotidiano, algumas músicas como Levanta e Anda com o Rael, Hoje Cedo em parceria com a Pitty, Rua Augusta com Criollo, e Passarinhos com a Vanessa da Mata são responsáveis por me trazer memórias, recordações e sensações boas demais.

    "Quando você vem da favela, sobreviver sorrindo é um ato ultrarrevolucionário." - O pai da Estela de 10 anos e Teresa, de 2, é um artista completo com uma trajetória belíssima que merece ser contada.


Bárbara Lopes


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